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abril 22, 2013 Nenhum Comentário

INCINERAÇÃO: SAÍDA PARA O LIXO OU RISCO IMINENTE?

A queima do lixo, reduzindo em cinzas o montante de rejeitos, com produção de energia termelétrica, é proposta atraente às políticas de gestão de resíduos sólidos. As prefeituras de Recife e Belo Horizonte, estudam a implantação desses sistemas. Entretanto, compostos tóxicos, que podem ser formados durante o processo de queima do lixo, colocam em risco a viabilidade ambiental de incineradores. A cidade de Curitiba, por exemplo, entregou recentemente um plano integrado com medidas para reciclagem, compostagem e biodigestão dos gases produzidos na decomposição do lixo, excluindo o projeto de incineração, por considerá-lo arriscado. Europa, Estados Unidos e Japão contam atualmente com cerca de 600 incineradores vinculados à produção de energia elétrica. Enquanto que, no Brasil, a atividade é predominantemente realizada para atender o tratamento de resíduos especiais em aeroportos, hospitais, indústrias e agroindústrias, que lidam com materiais perigosos. São equipamentos de pequeno porte com capacidade inferior a 100 quilos por hora. Ricardo Menezes, um dos autores do trabalho “Estágio atual da incineração no Brasil”, e engenheiro mecânico da Kompac, empresa especializada em equipamentos de incineração, explica que, historicamente, a implantação desses sistemas em municípios brasileiros foi sucedida pela falta de manutenção adequada e necessária para atender às exigências ambientais, resultando na desativação e demolição dos poucos que chegaram a funcionar. A exemplo do primeiro incinerador municipal do país, construído em 1896, em Manaus, e que em 1958 foi desativado por problemas de manutenção. Menezes afirma que, desde os anos 1980, o setor têm se aprimorado no país e hoje o risco a saúde humana é reduzido. Em contrapartida, Sonia Hess, engenheira química e consultora técnica nas áreas de Saúde e Meio Ambiente dos ministérios público federal e de diversos estados do país, acredita que a incineração deva ser a última opção de tratamento do lixo urbano.

Formação de toxinas Hess lembra que não é possível controlar a composição de resíduos urbanos que chegam aos aterros sanitários. Logo, encaminhar esse montante à incineração, mesmo após a separação de recicláveis, é arriscado. O lixo que as cidades produzem é uma mistura de resíduos orgânicos, químicos e industrializados. Esses dois últimos, podem conter metais pesados ou substâncias que, a altas temperaturas, se recombinam, transformando-se em dioxinas e furanos, que, numa concentração elevada, são responsáveis pela formação de cânceres, má-formação congênita, infertilidade, problemas sexuais, entre outros. A formação de dioxinas e furanos ocorre a uma temperatura entre 400 e 600 graus centígrados. Os incineradores modernos operam acima de 900 graus centígrados. Em contrapartida, após a queima, os resíduos gasosos devem sofrer um choque de temperatura passando a medidas abaixo de 200 graus centígrados, para evitar a formação dos compostos tóxicos durante o resfriamento desses efluentes. Entretanto, se o sistema de incineração sofrer o choque de temperatura o gás não poderá ser utilizado na produção de energia elétrica, por exemplo. Para produção energética, o gás deve sair da câmara de combustão passando por tubulações com saída para caldeiras, ar condicionado, ou gerador, onde o potencial de energia pode ser utilizado. A preocupação de ambientalistas é que, durante esse percurso, a temperatura do gás caia de 900 graus centígrados para os níveis que resultam na formação de furanos e dioxinas.

Tecnologia de incineradores avança Desde 2004, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), ligada à Secretaria de Meio Ambiente, estuda sistemas de tratamento térmico de resíduos em países desenvolvidos. Aruntho Neto, engenheiro e técnico da Companhia, conta que acordos foram realizados com o governo do estado da Baviera, na Alemanha, região onde estudos em tratamento de resíduos seriam os mais avançados do mundo. O pesquisador revela que usinas funcionam em segurança dentro de cidades como Viena (na Áustria), Mônaco, Paris e Monique (na Alemanha). “A conclusão é que os sistemas de tratamento térmico são hoje os mais avançados e modernos para tratamento de resíduos em grandes volumes. Além da emissão controlada, você ainda consegue diminuir o volume de início em até 90%. E com o calor, você consegue energia elétrica ou vapor para uso industrial”, completa. Luciano Basto, matemático com doutorado em Planejamento Energético com Ênfase ambiental, e pesquisador da COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que nenhuma forma de geração de energia e tratamento térmico do lixo consegue ser “totalmente segura”, mas considera que os sistemas de incineração atuais, para produção energética, conseguiram reduzir os riscos de emissão de matéria tóxica a níveis aceitáveis pelas instituições de controle ambiental.

Para o pesquisador, é preciso avaliar a implantação desses equipamentos como parte de um conjunto de atividades de gerenciamento de resíduos, que inclui reciclagem e compostagem. Basto avalia que o tratamento térmico, além de eliminar parte importante do lixo urbano é saída viável para gestão de resíduos em cidades, com baixo impacto ambiental, se bem gerenciado. Em 2003, a Agência de Proteção Ambiental (EPA), dos Estados Unidos, apresentou dados das principais fontes de dioxinas fazendo comparação com o final da década de 1980. “Apesar da quantidade tratada ter sido mantida no mesmo patamar de 30 milhões de toneladas anuais, houve uma redução de 86,5% nas emissões dos incineradores entre 1987 e 2002. Enquanto somavam 8.877 toneladas equivalentes de toxicidade, o que representava 63,5% dos poluentes emitidos, passaram a somar 12 toneladas equivalente de toxicidade, representando 1,09% dos poluentes emitidos”, explica Basto.

Já a queima de materiais a céu aberto, sem captação e tratamento de gases, aumentou sua participação de 4,3% (604 toneladas de toxinas) para 57,14% (628 toneladas de toxinas), em 14 anos. Outras atividades que preocupam a EPA são: fundição de metais (3,18%), decomposição de resíduos de esgoto em aterros (6,92%), emissão de diesel de automóveis (3,18%), queima de madeira em residências (5,64%) e usinas a carvão (5,64%). Milton Nogueira da Silva, ex-secretário executivo do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas Globais, e atual consultor internacional do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA-MG), destaca que as atividades que mais emitem dioxinas no Brasil são sinterização (ou tratamento térmico) do minério de ferro para produção de aço, incineração de material hospitalar e deterioração de produtos químicos agrícolas, em especial, embalagens de agrotóxicos.

País não tem inventário de emissões O Brasil ainda não tem um inventário das fontes de emissão de dioxinas, furanos e dos demais poluentes orgânicos persistentes, os chamados POPs, para controle nacional. Nos dias 23, 24 e 25 de março, especialistas se reuniram na sede da CETESB para discutir um Plano Nacional de Implementação (NIP, na sigla em inglês). O objetivo é iniciar a produção de diagnósticos, capacitação de recursos humanos, estudos, prevenção e gestão de áreas contaminadas. A proposta está dentro das metas da Convenção de Estocolmo para POPs, da Organização das Nações Unidas. Em 2009, a CETESB se tornou um dos 8 Centros Regionais da Convenção de Estocolmo, sendo responsável por sediar a rede de Grupo de Países da América Latina e Caribe (GRULAC). A Convenção identificou 21 POPs que devem ser, por categoria, eliminados, restringidos, ou terem a emissão reduzida a níveis com baixo risco à saúde humana. Nos próximos dois anos, a CETESB deverá aumentar o fluxo de análises do ar, solo, água e sedimentos em locais estratégicos dos GRULAC para estabelecer um plano de eliminação e controle dos poluentes.

MMA reforça ressalvas Sérgia Oliveira, da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental (SMCQ), do Ministério do Meio Ambiente, órgão brasileiro responsável por fazer valer o Consenso de Estocolmo no país, entende que a incineração não deve ser a primeira e única opção para gerenciar o lixo urbano. Mas aprova o uso de sistemas de tratamento térmico como uma das soluções para os resíduos que não podem ser reciclados ou compostados.

“A Convenção de Estocolmo coloca que é preciso reduzir emissões de dioxinas e furanos. Então, se o incinerador não for bem gerenciado, essa produção irá ocorrer. Essa é nossa principal preocupação”, diz. “Mas sabemos, por outro lado, que se for utilizado [o tratamento térmico] com tecnologia totalmente adequada, tem sim sua vantagem, seu aspecto positivo”, completa.

Compostagem A consultora ambiental Hess, aponta que a proposta mais adequada para solucionar a gestão de resíduos urbanos é promover a compostagem. Estima-se que cerca de 60% do lixo urbano seja orgânico. O Brasil é um dos grandes importadores de adubo, logo, em vez de incinerar, poderia aproveitá-lo na produção de aditivos agrícolas. Para tanto, a docente propõe que os grandes geradores de resíduos orgânicos – supermercados, feiras e companhias de abastecimento de alimentos – separem esses materiais previamente. O engenheiro Aruntho Neto ressalta que a compostagem não pode ser realizada em qualquer tipo de resíduo. Se a matéria orgânica contiver metais pesados, por exemplo, as toxinas poderão ser repassadas aos alimentos adubados. Assim como Hess, recomenda que os grandes produtores de matéria orgânica rejeitada separem devidamente seus resíduos para garantir um bom insumo. O porta-voz da CETESB destaca, ainda, que os aterros também apresentam riscos ambientais com capacidade de emitir elementos tóxicos para o ar, mesmo que gerenciados e respeitando-se as leis ambientais.

Consenso entre especialistas Todos os entrevistados foram unânimes quanto a necessidade de aplicação do conceito dos 3 Rs na gestão do lixo urbano: Redução, Reutilização e Reciclagem. Entretanto, esse processo não pode ser aplicado a todo rejeito que indústrias, casas e cidades produzem diariamente. Foi unânime também que a gestão mais adequada para resíduos sólidos urbanos conjuga várias atividades: reciclagem, compostagem, tratamento térmico de resíduos (para alguns) e disposição em aterro do material que não tem condição de retornar a cadeia de produção. As cinzas que sobram do tratamento térmico, cerca de 10% da matéria original de resíduos, podem ser encaminhadas a aterros, ou utilizadas para recapeamento de ruas e estradas, sendo inertes, ou seja, isentas de microorganismos causadores de doenças, ou de toxinas. O custo para implantação de uma usina de tratamento térmico do lixo é conveniente para um município a partir da queima de 500 toneladas/dia, segundo o engenheiro da Kompac, Ricardo Menezes. “Nessas condições, a venda de energia pode fazer com que o sistema seja competitivo frente aos aterros sanitários”, explica. Para se ter ideia, a cidade de São Paulo produz diariamente 15 mil toneladas de lixo.

Fonte: Campanha Nacional Contra a Incineração

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