março 12, 2014 | Nenhum Comentário |
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL INCLUSIVO COMO PREMISSA BÁSICA
A gestão dos resíduos está colocada na pauta das administrações públicas e da sociedade. Desta forma, a geração e destinação do lixo urbano precisam de respostas atentas ao desenvolvimento socioambiental inclusivo. No mês de setembro de 2013, o Observatório da Reciclagem Solidária (ORS) realizou, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), amplo debate sobre o tema no Seminário Rotas Tecnológicas para a Gestão e Tratamento de Resíduos Sólidos e a reciclagem diante da Política Nacional de Gestão de Resíduos (PNRS).
O evento realizado pelo ORS contou com a presença de especialistas, pesquisadores, catadores de materiais recicláveis, gestores públicos e empresariais, técnicos, estudantes e interessados – que avaliaram o cenário e apresentaram as possibilidades para o melhor tratamento dos resíduos nos municípios. Para cumprir o previsto na PNRS, diversas tecnologias são apresentadas. Porém, as rotas oferecidas são concorrentes e desconectadas com o princípio da reciclagem que garanta a presença efetiva dos catadores de materiais recicláveis; bem como, incoerentes com conceitos socioambientais.
ROTA TECNOLÓGICA
A rota definida materializa uma opção social. Está é a opinião do professor Francisco Lima (foto), palestrante do Seminário e membro do Observatório da Reciclagem Solidária (ORS) e do Alter-Nativas de Produção do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Economia Solidária da UFMG. Destrinchando a consideração, Francisco explica que “as rotas unem os elos que vão do projeto dos produtos, passando pelo consumo e chegando no descarte final nos aterros.” Daí, o professor e membro do ORS chama atenção de que é preciso ter claro que “o lixo é capaz de criar problemas de ordem social, econômica e ambiental.” Sendo assim, a solução, segundo Francisco, é fazer a “coerência com o desenvolvimento socioambiental, na opção pela reciclagem dos resíduos – a rota tecnológica mais sustentável”. Neste caso, o destino dos resíduos deve considerar processos e decisões participativos. A necessidade é pontuada pelo membro do ORS de que “os critérios para o modelo não podem ser definidos em decisão meramente técnica”.
Toda a gestão dos resíduos sólidos urbanos (RSU) deve nortear a rota. “O caminho deve contemplar processos e procedimentos administrativos, tecnológicos e sociopolíticos integrados” defende a palestrante Emília Wanda Rutkowski, que é bióloga, professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas (UNICAMP) e coordenadora do Fluxus – Laboratório de Ensinagem em Redes Técnicas e Sustentabilidade Socioambiental da UNICAMP. A professora Emília percebe como fundamental uma rota que atente para os critérios da eficiência e coerência. Na posição da professora, é preciso considerar itens como a 1) incorporação dos catadores de materiais recicláveis como protagonistas na construção e implementação da rota tecnológica de gestão dos RSU; 2) Presença participativa e compartilhada com toda a coletividade, através de oficinas e não só de audiências públicas; 3) O papel indutor da instância estadual na territorialização das políticas correlatas e 4) Ter os princípios da prevenção e precaução como premissas básicas para a seleção de técnicas e tecnologias.
A INTERVENÇÃO DOS CATADORES
O trabalho dos catadores brasileiros, reconhecido pelo mundo inteiro, é referência de tecnologia social de sucesso no campo do reaproveitamento e destinação correta dos resíduos. Sendo assim, na realidade das políticas públicas municipais, Francisco argumenta que “todo administrador público deve priorizar as opções por decisões locais.” Muitos equívocos estão colocados ao se decidir, desconsiderando os potenciais no município e, neste caso, dos catadores nos cuidados ambientais. “Um gestor, com espírito público, deve pensar a cidade no longo prazo, favorecendo rotas articuladas com a experiência local, ajudando a desenvolver a coleta seletiva, a organização dos catadores, o fortalecimento da reciclagem e a compostagem para a agricultura”, defende.
As decisões municipais de meio ambiente e gestão de resíduos não podem negar a contribuição histórica dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis. “Priorizar as políticas públicas que valorizam o pioneirismo e o protagonismo dos catadores” é visto pela profa. Emília como prerrogativas de atenção dos gestores na decisão da rota a ser implementada. Para a profa. “é preciso reconhecer a tecnológica desenvolvida pelos trabalhadores nas associações e cooperativas de reciclagem” como experiência exitosa do tratamento com os resíduos.
Na solução eficaz na destinação dos materiais é necessário unir conhecimentos e possibilidades. Considerando o saber construído e reconhecido dos catadores para o destino dos resíduos, Emília considera adequada e eficiente a criação de uma rede interativa para a definição da rota. “É preciso criar um espaço de fomento do diálogo entre os catadores de materiais recicláveis, os técnicos e os técnicos-políticos da administração pública e os pesquisadores técnico- científicos”, defende, como possibilidade concreta de efetivar uma gestão que atente à inclusão social e aos desafios nas cidades.
O desconhecimento da capacidade de organização e trabalho do catador esbarra em conceito não verdadeiro. Para Francisco, “as organizações vivem desafios que exigem estratégias diferentes, às vezes chamadas erroneamente de profissionalização, capacidade gerencial ou empreendedorismo.” Tudo isto, na avaliação do membro do ORS, é um equívoco. “Os catadores são profissionais e empreendedores”, defende. E emenda, “o sucesso que alcançaram até hoje é suficiente para provar do que são capazes, reconquistando uma vida digna para milhões de pessoas com resíduos retirados do lixo.”
CUIDADO COM OS EQUÍVOCOS
No caso das Parcerias Públicos Privadas (PPPs), Francisco defende o reconhecimento do trabalho das associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis. “Embora não tenha sido devidamente reconhecida em todo o seu potencial, a tecnologia da reciclagem dos catadores é a base para equacionar o problema do lixo, em parceria com a gestão municipal, sem necessidade de se privatizar serviços públicos.” A visão unilateral privatista dos resíduos é limitadora das estratégicas de soluções. Francisco Lima explica que é um risco “o ritual que legitima a gestão privada dos serviços públicos, como se esta fosse a única alternativa, cria uma situação impossível de ser gerenciada de forma eficiente e retira a autonomia de gestão.”
A profa. Emília teme posturas imediatistas na privatização do lixo. Para ela “as PPPs são uma leitura equivocada da PNRS.” A avaliação de Emília considera o pioneirismo dos catadores de materiais recicláveis. Na decisão dos governos pela PPP, “aprofunda-se a desigualdade socioambiental e estimula o descomprometimento da coletividade para com o seu futuro,” adverte.
A apropriação e qualificação na gestão dos resíduos é um desafio para os municípios. Francisco pondera que “o problema do lixo se tornou tão grave nas cidades – sem pessoal técnico qualificado, sem experiência e sem capacidade de administração – ficaram à mercê das grandes empresas do setor de limpeza pública.” As associações e cooperativas têm alternativas para atuarem em parceria com o poder público municipal. Elas são respostas de inclusão social e solução local para o problema dos resíduos. Para o membro do ORS, é preciso desfazer visões equivocadas e “conhecer o potencial da tecnologia da coleta seletiva e reciclagem dos catadores”. De toda a analise, Francisco afirma que “a atuação dos catadores é decisiva tanto para convencer a população a ter esses cuidados, orientar procedimentos e oferecer uma rede de logística ramificada para dar apoio a toda população para uma coleta eficiente.”
Matéria produzida por AntônioCoquito, jornalista e assessor de comunicação do INSEA
CONSIDERAÇÕES SOBRE CRITÉRIOS PARA A ROTA MUNICIPAL DE GESTÃO DE RESÍDUOS
“Incorporação dos catadores de materiais recicláveis como protagonistas na construção e implementação da rota tecnológica de gestão dos RSU e presença participativa e compartilhada com toda a coletividade, através de oficinas e não só de audiências públicas”.
Emília Wanda Rutkowski
“Ter um plano municipal de gestão de resíduos com procedimentos de participação popular e critérios previstos na PNRS. Pressionados pelo tempo e pelo agravamento do problema do lixo, sem contar com experiências próprias relevantes, os gestores estão aceitando a “primeira tábua da salvação”.
Francisco Lima
Integram o Observatório da Reciclagem Solidária (O.R.S.)
• Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR),
• Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea)
• Instituto Sustentar
• Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH)
• Cooperativa Central da Reciclagem Solidária dos Trabalhadores de Minas Gerais (Rede Sol)
• Cooperativa de Reciclagem dos Catadores da Rede de Economia Solidária (Rede Cataunidos)
• Organização Não Governamental WIEGO
• Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) através do Núcleo de Estudos e Gestão Pública (NEGP) do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) .
A dedicação e empenho dessas instituições, tornaram possíveis a produção e continuidade dos projetos desenvolvidos pelo INSEA.