MOBILIDADE E LIXO DESAFIAM BH EM BUSCA DE PRÊMIO
De um lado, uma área pouco habitada, onde está fincado o extinto aterro sanitário municipal, no bairro Jardim Filadélfia, região Noroeste de Belo Horizonte. Lá, parte do metano produzido pela decomposição do lixo foi canalizada e é queimada para gerar energia e evitar a propagação do gás de efeito estufa. Do outro, mais de 3 mil edifícios espalhados pelas nove regionais da capital, que concentram 923 mil metros quadrados de coletores solares.
Juntas, as duas formas de utilização racional de energia são capazes de reduzir em mais de 5% a emissão de gás carbônico (CO2) da cidade. Chamadas de eficiência energética, as atividades encabeçam uma lista de 27 iniciativas e programas sustentáveis realizados em BH, que colocam a metrópole mineira na disputa pelo prêmio “A hora do Planeta”.
Promovida pela ONG Rede WWF (Word Wide Fund For Nature; na tradução Fundo Mundial para a Natureza), a premiação simbólica irá valorizar modelos inspiradores de desenvolvimento sustentável. Trinta e três cidades de 13 países concorrem ao troféu. Do Brasil, além da capital mineira, São Paulo e Rio de Janeiro estão entre os finalistas.
Desafios
Enquanto a cidade comemora a seleção e almeja ser lembrada no anúncio oficial da “capital mundial da sustentabilidade”, em 27 de março, muitos desafios precisam ser enfrentados. Entre os principais, aliar a eficiência do transporte público à redução da emissão de gases poluentes; ampliar a coleta seletiva de lixo; e conscientizar a população.
Os atuais ganhos da eficiência energética, por exemplo, devem ser vistos com ressalvas, aponta a antropóloga Andrea Zhouri, que coordenada o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta), da UFMG. Para ela, a implantação da tecnologia é sempre válida, mas ainda está restrita à classe média.
“São ações voluntárias e individualizadas, que acontecem sem incentivos por parte do poder público. Outro entrave é a questão da mobilidade urbana. Se pararmos para pensar, a classe média que cria alternativas próprias de consumo consciente, como as placas solares, é a mesma que usa o carro e deixa o ônibus de lado. Claro, isso porque o transporte público não é eficiente e tampouco oferece qualidade”, aponta Andrea Zhouri.
As soluções, segundo ela, passam por ações de médio a longo prazos. A principal é o poder público tratar questões relativas ao meio ambiente de forma transversal. “Falta dar prioridade. O assunto tem de estar presente em todas as discussões em torno da sociedade. Não é possível que o meio ambiente seja uma pasta isolada dentro das administrações municipais. Questões de planejamento, economia, trânsito e saúde devem, sempre, levar em conta o meio ambiente. É preciso ter uma racionalidade socioambiental”.
Visibilidade
A secretária-executiva do Comitê Municipal Sobre Mudanças Climáticas e Ecoeficiência da Prefeitura de BH, Anna Louzada, reconhece que a mobilidade é o principal entrave, mas mostra boa expectativa em torno da chegada do BRT/Move. “As poluições não são do transporte coletivo. São dos carros”, diz.
Outros desafios, acrescenta Anna, é reduzir o consumo e trabalhar ainda mais a educação ambiental. Para ela, mais do que dar visibilidade à capital no exterior, o prêmio mostra que os trabalhos desenvolvidos estão no caminho certo.
“Belo Horizonte realiza grandes esforços nas questões voltadas para a sustentabilidade e o nosso diferencial é a eficiência energética, que trabalha com as energias limpas, na qual se busca fontes que não vão degradar o meio ambiente”, ressalta.
Setor de transporte emite 71% da poluição
Engenheiro, economista e consultor da Organização das Nações Unidas (ONU), Milton Nogueira é categórico: as ações desenvolvidas em Belo Horizonte, até o momento, ainda são limitadas. “As reduções (de gases de efeito estufa) geradas com placas solares na capital e o próprio aterro são minúsculas diante da sujeira gerada pela poluição automotiva”.
As palavras dele vão ao encontro das principais fontes de emissão de gases na cidade. O setor de transportes responde por 71% da poluição na atmosfera. “Uma cidade que ainda tenta incentivar o uso de um transporte público, que não oferece boas condições, precisa avançar muito para ser sustentável”, atesta Milton Nogueira.
Outros pontos destacados por ele são as limitações da coleta seletiva e mudança de comportamento por parte da população. “A maioria das pessoas sabe dos danos causados por diversas fontes poluentes, mas não muda as atitudes. É preciso investimento maciço na educação e participação de cidades da região metropolitana. Os veículos que veem da Grande BH também poluem. Todos têm que dançar a mesma música”.
Mais energia solar
Os atuais 923 mil metros quadrados de coletores solares terão um reforço de peso na busca por uma eletricidade consumida sem a ajuda de hidrelétricas. Com 10 mil m² de placas fotovoltaicas para a captação da energia limpa, a usina construída no Mineirão está concluída e começa a operar em abril. Cerca de 1,5 MWp (megawatt-pico) serão produzidos.
“Esse montante é suficiente para alimentar 1.200 residências de médio porte. Assim, 400 toneladas de CO2 deixarão de ser emitidas”, aponta o superintendente de Tecnologia e Alternativas Energéticas da Cemig, Alexandre Bueno. Sem dar mais detalhes, ele garante que novas usinas solares fotovoltaicas serão instaladas na capital em um curto espaço de tempo. Há rumores de que a próxima será colocada nas lajes do Mineirinho, também na Pampulha.
Coleta seletiva a passos lentos na metrópole
Restrita a 36 dos 487 bairros da capital – apenas 7% do total – a coleta seletiva caminha a passos lentos para alavancar a sustentabilidade de Belo Horizonte. Além dessa modalidade, chamada de porta a porta, a cidade também separa materiais recicláveis por meio da iniciativa conhecida como ponto a ponto, que funciona em 284 contêineres.
Cerca de 23 toneladas de papel, metal, plástico e vidro são recolhidas por dia. Para se ter uma ideia de como o montante ainda é pequeno, só na região Centro-Sul, 612 toneladas de resíduos de coleta domiciliar são recolhidos a cada 24 horas.
“Quando se fala em coleta seletiva de lixo, logo se pensa na simples definição de separação e recolhimento de materiais recicláveis. Porém, a importância vai muito além. Todo aterro sanitário tem vida útil e quando se recicla, menos resíduos serão levados para ele. Isso sem falar na capacidade de gerar renda, novos postos de trabalho, fabricação de adubos orgânicos, entre outros benefícios”, afirma o biólogo e consultor ambiental Diego Soares.
Na avaliação dele, mais do que universalizar a coleta seletiva, ampliando os bairros atendidos na cidade, é preciso pensar em políticas públicas de incentivo, educação ambiental e uma fiscalização mais rígida, principalmente com relação à destinação dos resíduos da construção civil. “O que se vê hoje em BH, infelizmente, são iniciativas solitárias de poucos moradores. E, muitas vezes, por não contar com um sistema eficiente, as pessoas separam o material, mas o caminhão de lixo vem e jogo tudo no mesmo bolo”, acrescenta o biólogo.
A Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) informa que há previsão de ampliação, mas não estipula prazos. A última ocorreu há três meses, quando o número de bairros atendidos subiu de 30 para 36.
Fonte: Jornal Hoje em Dia